soneto do sono perdido

a última alegria que guardo
é da triste despedida
e, depois, a viagem incerta
tão imensa

na escura noite de solidão
a lua prateada me era por única companhia
na multidão que também ia
sem saber

nem me deixei chorar
de risos tantos que nunca tive
na plena felicidade que agora
era nunca mais

à noite, acordado no quarto frio,
abraço a lembrança em torno do travesseiro
e não sei mais se vivo ou desisto
de sonhar

(scs, 141216)

Caixas e caixinhas (IR, semi-heterônimo de Isabel Rosete)

Pensei em seguir viagem,
Mesmo não sabendo para onde quero ir.
Viajar é preciso!
O caminho de agora já não é o meu caminho.

Estou cansada destes cantos e recantos
Onde me afundo, todos os dias,
Nas gavetas do meu Pensamento
Com os ferrolhos da Imaginação,
Em tantas outras gavetas
Onde mora, aberta, a minha Emoção.

Abri os armários da minha Inquietude,
Em trajes vários;
Abri as caixas e as caixinhas
Dispostas, com precisão,
Na ordem das cores.
Mas, há sempre uma gaveta desarrumada,
Aquela onde está depositada
A Desordem da Ordem da minha (des)arrumação!

Preciso dela, ali,
Com objectos vários,
Sem nexo (aparente) entre eles,
Sem comunidade de essência,
Remexidos, sempre remexidos, em con-fusão.

Arrumo-me na minha des-arrumação
De obsessão de organização,
Viajando nos contratempos da des-ordem ordenada;
Consumo-me em pormenores
De formas e cores, em alinhamento.

Mas, há sempre a gaveta desarrumada
Nesses cantos e recantos do meu coração cansado
De fortes sentires indignados.

Passo pelas viagens em sonho viajadas
Na vigília do sono que não vem
Porque arrumar é imperativo.

IR
Ílhavo, 24/02/2013
Pintura: Magritte

No mar de Paraty

águas calmas
areia clara
ar puro
aroeira
árvores
azul-turqueza
brisa mansa
cor
calma
flores
gotas
história
sǝɹɐlnɔıʇɹɐdsǝpɐpǝıɹdoɹd
sǝpɐpıɹqǝlǝɔǝpsɐɥɔuɐlǝsɐɥlı
maresia
mistério
nuvens
ondas
pássaros
paz
peixes
reflexos no mar
riso
sol
sons
suspiro
vento frio
vida

enfim, vida…

(p, 17911)