Eu gostaria de nunca mais acordar.
Não, não morrer:
sonhar!
quando
Quando acordei do sonho que era sonho,
a neblina fria lá fora
chorava na janela.
Quando acordei do sonho que era real,
o sol aquecia e sorria
aqui dentro.
(scs, 10412)
as moedas e o luar
um menino só
que nunca viu o luar
é esquecido na praça
e nunca mais o procuram
o menino encontrou
na praça duas moedas
e sonhou ser um rei
com um tesouro que lhe comprava
o luar. naquela noite
a lua surgiu, e as moedas
no bolso abrigadas na mão:
o rei não podia comprar a prata do céu.
o menino só, que agora viu
na praça o luar e as moedas,
sentiu-se amado e sorriu desconfiado
de que teria de acordar.
(livremente inspirado na criança que não é criança e que não está viajando só neste ônibus; sp, 16112)
26
sonhava
na
montanha
em
ser
nada
22
dorm
indo
sonh
ando
vou
vivendo
17
vivia
voando
entre
verdes
pássaros –
alvejado
à noite
não sei imaginar o fel
na dobra da pele
ou o rancor que não fere
ao contemplar os olhos vazios
mas há descaso no vento
e nas mãos que não querem ondas,
somente desacenos cínicos
outrora pássaros de asas duras
o que persiste ainda almeja
a manhã sem orvalho e ninho,
permeado de sonho e fastio,
firme, ainda que inconstante o pesar.
e adormece, sem cobrir o torso,
nos musgos que fumegam à noite.
a canção do tempo perdido embala o sono
e a chuva fina faz tudo findar
dor de cabeça
estranha sensação
de não ser eu quem
está(ou) aqui
de outros pensamentos
ordenarem meus sentimentos
reações
uma estranha e entorpecente
dor de cabeça
um desconforto inexplicável
olhos indispostos a permanecerem
abertos
mente decidida a pensar de modo
confuso
e a vida circulando lá fora
– mene, mene, tequel –
arrastando mundos atrás de si
exigindo atenção,
sinergia, prazos, comprometimento, cartão-ponto
só queria poder parar um pouco
e ter certeza de que aquele
ao leme
sou eu
e que aquele na gávea
sou eu
e que aquele dormindo em paz
sou eu
e que aquele mergulhando com baleias
sou
e que eu é que sonho ou vivo
aqui
(scs, 111011)
rosto
talvez, um dia,
eu venha a entender
o sonho
do nome esquecido
do rosto nunca visto
da lembrança irreal
(scs, 7311)
O lago
esqueci um livro na beira do lago
onde pescava nuvens
e pássaros azuis
na capa dura de meu livro
havia nuvens carregadas de sonhos
e pássaros com fome
o prefácio do livro que jamais li
terminava por espantar as nuvens
e os pássaros, feridos, fugiam
e nas muitas páginas daquele meu livro
nuvens destilavam tinta escarlate
que desenhava os pássaros azuis
não lembro seu título
as nuvens, eu as deixei soltas
os pássaros me levaram pra longe
o último capítulo do livro pra sempre esquecido
desfiz-me em nuvens de pranto e fuligem
e assustados, alegres, os pássaros azuis apenas voavam
(scs, 29511)