fim

não
nenhuma novidade
no sopro inquieto do vento
que nos faz companhia neste dia tão comum

sem
qualquer surpresa
os olhos se encontram
e já não falam aquelas mentiras tão carinhosas


nem sabemos
o nome daquela saudade
abandonada no refúgio das coisas evitadas

quão
belas nuvens
ocultam a luz difusa
e as mornas mãos acenam uma desesperança

ver
mais perto
os olhos de um passado
entalhado na pele e nos suspiros ainda eriçados

sim
sabemos que
nada outro nos alegrou
em todo o tempo de sermos dois caminhos

nos
olhos borrados
mesclam-se lágrimas e pó
um desenho de abraços que estavam aqui

vai
como ventania
o dia de ontem esquecido
traz aquele brilho dos lençóis novos

sons
tão sonhados
das canções envergonhadas mudas
feita um pedido nervoso de olhar tímido

fim
de tudo
num suspiro vazio de adeus
mãos tímidas aquecidas na pele alheia

(scs, 26911)

sem título

o que era de fato
nem mesmo pensamos
no entanto sim estava
e por isso tão solene
como a noite e uma
gota de sangue ou lágrima
de toque macio e não
tão simples sendo assim
que surpresa já sempre
um anelo não uma ausência
de poucas cores mas doçuras
nem haveria em nenhum canto
o aroma de que fizemos
o outro sonho da alegria difusa
bem de manhã sem lençóis
piso frio caminha tonto
e florejam liláses a nuvem
miúda nos diz o Nome e
lembramos nada somos
só desejos e saudade

(sp, 25813)

quantos

quantas coisas a noite esconde
em meus braços frios
nos pensamentos sem fim
confinado na estrondosa solidão desse quarto

quantos segredos espalhados pelas paredes
vislumbrando aquele passado já não mais inventado
de desenhos na areia do mar
um repentino aceno e o fim

quantos momentos aprisionados no relógio parado na cabeceira
gritando sua inexistente presença e dor
em cada conflito refeito e os medos
ainda mais meninos e não os há
– só as pegadas indistintas no pó

quantos carinhos amordaçados nos cabides
entregues ao desprezo e ao vazio
tantas manhãs de outrora: eram luzes
nem deles memória nem saudade

quantas madrugadas de anseios recatados
debruçadas na janela fechada
as nuvens distantes flertando com o desespero
refrescam seus cabelos de cinzas e remorsos

quantos outros navegam a mesma alma
ao revirar das lembranças desgovernadas
– a goteira é o único som consolador
na estrondosa solidão desse sonho inquieto

(scs, 8815)