Era um nome forte, que dizia que ela era uma mulher forte, sem medo, de enfrentar perigos e dificuldades sem tremer nem fugir. Durvalina. Talvez por ser parecido com Durval, nome de seu pai, que é nome de homem. Homem deve ser sempre forte, valente, que até vai atrás do problema só pra vencer o bicho. Sem medo.
Nada mais falso. Celina Durvalina tinha medo de tudo, principalmente de barata e de anjo. Que escândalo cada vez que vê uma barata! Aquela coisa marrom se movendo rápido deixa Celina Durvalina em pânico, louca, insana. Ela sobe na cadeira e, nem sabe porque, arranca a roupa e grita e grita até desmaiar, às vezes. Agora ela já sobe e desce da cadeira antes de desmaiar, pois uma vez caiu e foi parar no hospital. Quase morreu. Ela não entende: ela entende que a barata é pequena, quase nada perto dela, mas o monstro cheio de patas a mantém prisioneira, faz dela o que quer, ordena coisas impensáveis: gritar e arrancar a roupa.
E quando uma barata passou correndo sobre o pé de Durvalina? Por sorte o machado era muito grande e ela, muito desajeitada. Não conseguiu cortar o pé, mas gritou e arrancou a roupa e deixou o pé de molho na água quente com sabão três horas.
Baratas. São sinônimo de pânico, de desespero, de falta de ar. Muito medo de ser estrangulada por aquelas patinhas de serrote. Consegue sentir o cheiro delas e ouve seu barulhinho de correr em silêncio da luz. Por que Deus havia feito aquelas coisas que estalam e soltam gosma quando são pisadas? Nem mesmo morrem de modo decente, discreto, desnojento.
De anjo também. Muito medo. Pavor mesmo. Mas nunca viu nem sabe se existe. E morre de medo.
Celina Durvalina deveria ser forte, como exigia seu nome na certidão de nascimento registrada com data de cinco dias depois. Talvez ela fosse o outro recém-nascido do berçário. Trocas assim acontecem sempre, 32% mais no último ano. Ela não era aquele nome; então, ela não podia ser ela. Quem era, então?
Ela gostava da rima. Achava bonito ser chamada por todo ele. Celina era a parte delicada, fofinha, alguma coisa a ver com céu. Celina, sei lá. Mas, não entendia, todo mundo preferia Durvalina. Se ao menos fosse Lina. Alguns até preferiam Durva ou Durval. Ela tinha de ser forte. Ou pensavam que ela fosse. Não era. Tinha sempre muito medo. De muitas coisas.
Cada trovão um susto. A buzina de um carro fazia olhar quase atropelada para os lados. Todo latido era de um cachorro (lobo) raivoso pronto para estraçalhá-la sem oração. O choro da Viviana era sinal de que ela estava se engasgando, e lá ia ela correndo salvar a filha da comadre. E assim vivia, sempre assustada. Se perguntava por quanto tempo seu coração conseguiria suportar aquilo. “Vou morrer na próxima semana”, pensava toda semana.
Depois de limpar a cozinha, em lugar de tomar seu cafezinho bem doce ouvindo o programa das 14 horas no rádio, resolveu olhar um armário velho no quintal. Ele estava lá há muito tempo. Celina o via, mas nunca se animou de mexer nele, apesar de sua mania de limpeza. Mas agora achou que ele estava enfeiando o quintal, apesar dos vasos com flores em cima dele.
Olhou-o com calma, pensando se poderia oferecer algum perigo. De madeira, verde clarinho, desbotado e sujo, um puxador quebrado, uma chave que não impedia que fosse aberto por qualquer criança. Parecia inofensivo. Inerte.
Abriu as portas num ímpeto. A luz forte da tarde revelou umas roupas antigas, uma boneca quebrada, uma capa de revista mofada, um rato morto e baratas. Muitas. Antes de dar um salto imenso para trás, Celina Durvalina Fortes pensou ter contado um milhão delas ou muito mais.
Caiu de costas, batendo com o ombro no chão. A dor forte a impediu de começar a arrancar a roupa. A garganta se entupiu de desespero e nenhum grito pedindo ajuda saiu. O coração batia audivelmente e as baratas vinham em sua direção, como um exército implacável, abrindo suas alas de forma a cercá-la por todos os lados, com certeza para devorá-la viva. As patas de serrote marchavam com ritmo, declarando que seu fim estava próximo. E iriam roer sua roupa também.
De repente, uma luz forte, de um branco cristalino, azulada, em forma de espada, surgiu ao lado de Celina. Girou em redor dela, baixinho, rente ao chão, atingindo todas as baratas, até as da retaguarda do exército, cortando-as ao meio com um barulho metálico e de fogo. Nenhuma delas escapou. A espada, então, se ergueu sobre Celina, e ela viu uma mão robusta segurando-a e viu como se duas grandes asas, transparentes, de luz azulada também, se abrissem. E tudo sumiu. Celina estava sozinha, caída no meio do quintal, o armário com as portas abertas e nenhuma barata. Nenhum cadáver de barata. Nenhum sinal de que elas estiveram ali.
Durva é seu nome agora. Celina é passado, nome de quem tem medo de tudo. Durva não tem. Mata as baratas com rapidez, sem nojo nem dó. Até sorri ao ouvir o estalo e ver a gosma. Calou todos os lobos, xingou a comadre que não cuida direito da Viviana e canta enquanto ouve trovões. Só tem medo de anjo.
(scs, 21221011)
(fonte da foto)