eu me deixei
nevar
por teu sorriso
e nunca mais
me senti tão
sol
(scs, 191216)
A palavra é tanta que faz a alma ser muitas
eu me deixei
nevar
por teu sorriso
e nunca mais
me senti tão
sol
(scs, 191216)
as brumas
afogam lembranças
brancas sem afago
desabrochadas de dor
loucas
as brumas
repetem canções afônicas
numa gentileza vaga
na manhã invisível
adoentada
as brumas
resistem à verdade
com máscaras dóceis
entalhadas em peles
pálidas
as brumas
desenham no chão
sombras sem alma
de sonhos e sons
abafados
as brumas
escondem seu rosto
sem riso ou tormento
despertado de amor
inconsolado
as brumas
balançam cabelos e saias
silvando ameaças
sem citar nomes
inesquecíveis
as bruams
enfurecem pombos e muros
com seu frio átono
sopro no vento
incolor
as brumas
recusam o abraço
ao desvalido à espera
do ônibus
insensíveis
as brumas
ocultam tantos segredos
remexendo caixas
e mansões
arruinadas
as brumas
entranham-se nas casas
madrugando à lareira
espiando velhas nudezes
imortais
as brumas
convalescem à mesa
repartindo as migalhas
ao cão e à mulher
catatônica
as brumas
impressionam as aves
atarefadas em ninhos
como no outono
moribundo
as brumas
mentem com rouquidão
sua bondade imensa
na faca com sangue
viscoso
as brumas
umedecem a calçada
e maltratam o cão
sem dono e a dona
maquiada
as brumas
calam os sussurros
de prazer e lençóis
esfriam amores
entrecortadas
as brumas
fofocam-se à toa
e não têm pudor
nem remorso
impedernidas
as brumas
arrastam correntes
medrosas e altivas
eis, pois, seu fim:
sol
pego
de
calças
curtas
no
inverno
vinte anós após o outono
o relógio bateu de novo
na sala, sob o lençol branco,
agitando as folhas no quintal,
acordando a velha sem braços
na cadeira de balanço.
o crochê repousava em seu colo,
a teia de aranha pendia da agulha:
ela sorriu sem dentadura
de saudade da morte.
(scs, 11512)