um menino e outros

do telhado
um menino sentado vejo outros
meninos sentados em tantos
telhados
das poucas tantas casas do mundo
olhando
o horizonte sem esperança nos sonhos
alegres dos meninos penso
no que vêem do telhado cada um
sob o céu escuro da cidade já dormindo
e triste canto
em voz baixa
com medo de acordar os outros meninos
em distantes telhados cada qual
um rascunho de gente
e já tão gasta e sem sorrisos
o canto some
e fica só a noite derramada sobre
os telhados e os meninos
que vão se apagando aos poucos os tantos
como as estrelas engolidas pelas nuvens
e silenciam
seus sonhos coloridos sobre as casas sem cor
e em cada telhado
repousa só um corpo magro que não canta mais
um menino

(scs, 71213)

cena urbana

o homem rico
sai com seu perfumado cão
pela distinta avenida.

o homem pobre
mendiga um dormido pão
mostrando a perna ferida.

o cão do homem rico
urina na perna
do homem pobre.

o homem rico
ao ver a cena nem
de vergonha se cobre
e ao homem pobre
o cão não pede desculpa.

“de ser pobre
é somente sua a culpa!”

o perfumado
cão do homem rico
é o novo filhinho mimado.

e o homem pobre,
indigno e infeliz,
ainda esmola, mesmo molhado.

(scs, 171012)