mil dias

por mil dias guardei teu silêncio sobre meus braços
e não sabia mais o que devia desejar
na manhã de nuvens em brancos pedaços
outra despedida de outono, um afago sem olhar

por mil dias contemplei teu sorriso no lago tranqüilo
águas turvas da memória eterna que revive
carregando suspiros de doce voz no sigilo
com que chamaste o nome que eu outrora tive

por mil dias fugi por entre os arbustos mortos
com medo de não acordar, não ser reconhecido
trilha áspera como os pensamentos incertos, tortos
de sons e ternuras e nenhuma paz que tenha vivido

por mil dias fingi reconhecer teu rosto em cada pedra
uma frieza de limo sorrindo sem vida
mergulhada na incerteza de quem não eras
– um desabafo sem força, cheio de medo da despedida

por mil dias voltei a procurar-te no ninho e no alto do monte
angustiada – como será ainda o que não sei se preciso? –
derramando gotas de sangue nos pedregulhos e na fonte
fertilizando sementes, flores sem cor, de aroma indeciso

e, ao final daqueles outonais mil dias,
quedo-me de novo, como no início, só
tomada daquela mui antiga saudade
guia angustiosa dessa minha estranha jornada

contemplo-me na areia que reluz prateada
refletindo à sombra o sonho da realidade
espalho de meus tantos pensamentos sem dó
o fim da visceral busca: a mim já não querias

(scs, 23115,918)