tinha medo de morrer
de viver
de partir
de mentir
de cochilar
de se abalar
de desilusão
de mel no pão
de ficar muito louca
da coberta ser pouca
de emagrecer
de não se ver
de partidas
de queridas
de tempestade
de tola saudade
de dizer bobagem
de ser só bagagem
de voltar a ser
de enriquecer
da vizinha
da galinha
do sapateiro
do juazeiro
do padre vil
do louco tio
da casa escura
da cama dura
do novo ano
de seu fulano
do remédio
de seu tédio
de não respirar
de muito amar
dessa solidão
daquela canção
das novas dores
dos sem-sabores
da luz cheia
de nua e feia
do pesadelo
do fim do novelo
de todas as prestações
das quatro estações
do prédio a ruir
do banguela a sorrir
da perna inchada
da criança mimada
do pêlo eriçado
do castelo encantado
do fim de tarde
do beijo que arde
de ter de perdoar
de ter de só lembrar
das anotações
das exclamações
do efisema
do teorema
do último cigarro
da morte no carro
de câncer no estômago
da dor oculta no âmago
do silêncio à noite
da voz qual açoite
de escrever no caderno
de cochichar ao Eterno
de quebrar o giz
de nunca ter sido feliz
de cometer erros
de engolir berros
de cair da cadeira
de não ter maneira
de não lembrar mais
de chorar demais
de não existir
de ter de insistir
de morrer no açude
de quebrar o alaúde
de ao chão tombar
e não querer levantar
de dor de barriga
de intriga da amiga
daquela dura lembrança
de não poder ser criança
do nome ser esquecido
de só ter pão amanhecido
da nuvem escura
da virgem impura
de conta-gotas
de mãos postas
de se despedir de mim
da alegria sem fim
de escurecer
de me entrever
de sair da cama
de deixar a quem ama
de castelo de areia
da brisa fagueira
da noite sem sono
das folhas no outono
do parente distante
do silêncio oscilante
de desfazer-se em pó
de continuar sendo só
seu nome era Isabel, a forte
mesmo tendo medos
— até da morte —
saía cedo da cama todo dia
e descia a rua assobiando
sua assustada alegria