dedicatória

a quem gostaria
de saber para onde o vento lhe leva
a quem baixa as velas
e rema sorrindo pelo oceano
a quem anseia
pelo copo de água fria no fim do dia
a quem desveste as luvas
e fura o dedo no espinho da rosa
a quem sonhava
logo antes do sol nascer
a quem confidenciou pecados
e ouvidos respeitosos os receberam
a quem desistiu
de sentir tristeza sem motivo
a quem correu pelas escadas
para repetir a boa-nova da prima distante
a quem escreveria
se houvesse amigo para receber a carta
a quem pressente
a chuva e a cor das nuvens
a quem insiste em voz baixa
que seu amor é falso e sua voz, rude
a quem procura
a última brisa da tarde
a quem abandonou o medo
e já dorme de luz apagada e coração disparado
a quem engatinha
no chão enlameado da cozinha
a quem picota papel
para a grande festa, e nem foi convidado
a quem rabisca
o nome dela no espelho embaçado
a quem se envergonha tardiamente
por ter espiado pela fechadura
a quem não dorme
para não estragar os sonhos
a quem ouve
o uivo do lobo no quintal
a quem não encontra os óculos
e deixa as letras fugirem do livro sobre o colo
a quem mergulha
e, deslumbrado, esquece de voltar
a quem aperta os olhos
e sorri ao vê-la de lingerie
a quem marca
na agenda o cruzeiro dos sonhos
a quem pensa fantasiando
que no Alasca poderá derreter iglus
a quem esconde
a maçã mordida e o dente que caiu
a quem prescreve abraços
ao amigo desencantado com Janaína
a quem borrifa
perfume nos pulsos e nas palavras ensaiadas
a quem fotografa árvores
solitárias no extenso campo do estou-aqui
a quem soletra
meu nome e erra todas as letras
a quem cochila à tarde
e esquece que o mundo não pára
a quem calou
e fingiu não ter visto
a quem abriu a geladeira
e gritou ao ver… lá dentro
a quem gemeu
e fez gemer
a quem desfila suas dores
e não é notado
a quem ainda não desistiu de começar
dedico.

(scs, 201011, dia do poeta)

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