falsidade

andando
na
rua
não
vive
atua

carrega
sempre
outra
cara
mesmo
nua

sorri
com
ódio
uma
máscara
crua

desdenha
do
Sol
louva
a
Lua

bajula
a
todos
vive
tão

finge
que
ama
ama-rga
sem

nega
ser
como
é
mesmo

no
espelho
sempre
outra
porém
ela

mergulhada
em
orgulho
de
pensar-se
quem-sabe

olhos
fechados
tão
soberbos
cândidos
sentimentos

cada
abraço
um
nojo
– tenho
de

despedidas
desejadas
com
tristeza
planejada
convence

menticulosa
mente
noite
afora
na
sol(mult)idão

mesmo
assim
crê-se
assim
a
real

resvala
finge
corrige
revela
mágoas
tais

outro
dia
outra
ela
mesma
outra

desistia
de
ser
aquela
ela
mesma

confiou-se
aos
segredos
que
lhe
mentia

inventou
uma
vida
viveu-a
como
louca

desconfiou
do
espelho:
quem
sou
você?

o suco

Seleção_010Trazia por nome Daniel. Como aquele que não teve medo de leões. Não tinha. Mesmo não conhecendo. Os tratos tantos do mundo lhe asseguravam.
Era um rosto sem sorriso nem palavras. No olhar, uma paz amarga bem assentada; o amanhã não era longe nem assustava. A pele marcada das muitas madrugadas em que o sono era só lembrança,
a testa sombria do peso imenso presenteado pelos muitos ontens. As mãos grandes, sulcadas da lida no campo, esboçavam um caminho ocasional, mas nunca permitido. Secavam as poucas lágrimas que raramente fugiam. O cabelo grisalho que o vento levantava sem esforço dizia que existia há muito, por dias infindáveis.
Sentado à sombra da árvore, tão solitária no vasto mundo como ele, mordia lento a fruta doce, o sumo pingando pelo canto da boca não incomodava. O dulçor ácido lembrava que nem tudo fora sempre desamparo. Mastigava sem vigor, desfrutando da polpa macia, os olhos repousados no lá longe, numa nuvem pequena no horizonte. Única nos céus. Tudo falava de ser só.
O ambiente era silêncio. Nem vento soava nas muitas folhas, pássaros emudecidos voavam distantes, o riacho fugia sem voz. A multidão de seus pensamentos gritava em sua mudez. Tantas coisas, mementos, o passado que podia ter sido, o que não queria, tudo que teve de, o dia aquele… As idéias giravam, gritavam, coloriam, riam, zombavam, se desvaneciam uma antes da outra e também depois, deixando tudo mais confuso e vazio, sem gosto, como se nunca estivessem ali.
Novo naco da fruta. O único barulho era aquele.
Piscou os olhos com força, como se isso o mantivesse vivo e afastasse os leões, os que não havia, mas existiam por ali, querendo tragá-lo, andando ao redor de dentro dele. Funcionou. Eles se afastaram por uns dias, talvez. O suco doce seco no braço atraiu uma abelha, zunindo de encher os ares, um som imenso de vida inquieta.
Mal teve tempo de lhe voltar os olhos e um sorriso minguado lhe escapuliu dos lábios. Logo morreu, não sem antes germinar-se em esperança.
Ficou ali, assim, agora pálpebras fechadas, vendo só com a alma.
Arrastava pela vida o nome de Daniel. Não sem luto ou desespero. Teimosia de viver. O suco.

(poa, 151214)