nós dois

à Janisse Ramos Nunes

eu Halley
você constante
eu salto
você rocha
eu cartilha
você viajante

eu instante
você Big Ben
eu pena
você anzol
eu hiato
você também

eu encruzilhada
você conexão
eu tinteiro
você laser
eu abraço
você imersão

eu insípido
você curry
eu improviso
você sinfonia
eu minúcias
você pot-pourri

eu planície
você distorção
eu sotaque
você orvalho
eu aceno
você consumação

eu memórias
você inscrições
eu espanto
você castelo
eu desespero
você, meu amparo

(scs, 12414)

ampulheta

precisou, por enquanto, se ausentar,
mas não de coração

repousar uns tumultos sem pressa,
até que a saudade passasse silenciosa

e a maré deixasse a areia intacta
– pegadas já inexistindo desde sempre –

aos poucos, com a calma de ampulheta,
a vida e o anseio ressurgem

sorrindo com cicatrizes, ternuras
e um abraço sem dar, infindo,
a quem permaneceu em mim

(scs, 27414)

finda

dormi com frio: estou viva
era sábado, não me lembro
mas sei, insensata, o aroma
entretecido com cabelos

rasguei as fotografias
o papel de presente amarelou
– nem mesmo o gesto de ciúme
livrou a angústia de tanta paz

outra manhã, e esta cinza
sim, o abraço, mas quando!
atenta, a gota última caindo
minha vasta ânsia por voar

sob a neblina, pensamentos diminutos
rasgados à ousada inércia
e, meteoro, o fim da vontade
deixo-me inerte, saudosa e finda

(scs, 14414)

tardia

pois ela tinha esquecido a sombrinha
e aquele sorriso tão meigo escondia uma fúria
mas não teve medo: a chuva fria
eram aqueles olhos mentirosos musgos inauditos, gotas
não houve um convite, nem por isso se importou com a calçada molhada
enfrentava um receio sem perceber fluindo pelos nervos
olhava de alto a baixo decidida – os pássaros já haviam emudecido
a cena era melancólica, de tons misteriosos acovardados
remexeu na bolsa e a foto estava lá e não
se reconhecia
a chuva havia passado
não o sorriso

(scs, 17214)

Café,

Contudo, o homem nem sorriu.
Perto da janela, o vapor do café forte embaçava o vidro.
O chapéu cinza esquecido lembrava a espera. Mais um pouco. Cadeiras arrastadas.
Chovia? Ou as nuvens ignoravam aquela? De outra cor…
Nem era preciso pedir a música, a nova, outra dose, guardanapo.
Não havia motivos para. As manchas no vidro eram insensatas, nomes,
marcas de dedos, pele arranhada. Sem açúcar. Já: frio.
Sobre a mesa, anacrônico, um jeito estúpido de insistir. 15h37. Inquietudes.
Uma melancolia que descia, zombeteira, surda ao coração. Ninguém à vista,
próximo quarteirão, na praça, um tom desencantado, a antiga árvore: o assobio inventava
sua música, perdendo-se nos ares. Rabiscos e marca de batom.

Contudo, o homem nem sorriu.

(scs, 10414)

as roupas e as memórias

Ele – o transitório – só se diga, por esse enquanto.
(João Guimarães Rosa)

em todos os armários espreitam
despedidas recentes em velhos álbuns
de cegas fotografias mentirosas

os vestidos acompanhavam o passado
venerando o assombro entre os olhos
– as mesmas pálpebras adormecidas de amor

anoitecida a memória: um terno cinza-mágoa
então, flores murchas, pele desbotada
marcas tão antigas na neve e no alpendre

galantes sapatos já não caminham, seguem
– almejaram o fim, a colheita, a fuga –
covardes no silêncio da esperança morta

todas as rugas na camisa puída
sem perfume ou marcas de sangue no bolso
insistem em ser nada e ódio solene

lenço jogado a um canto sem sono
devolve as lágrimas e o anel
arrependido que se findou

a gravata daquela noite inseparável
amordaça uns tímidos desatinos
com cheiro de mofo precoce

assim, todas as lembranças descartadas aguardam
em trajes de gala
o dia de acontecerem

(scs, 3414)

Premiação

No sábado, dia 29 de março, estive em Mariana (MG), com minha esposa e um casal de amigos, para receber o prêmio por ter vencido o 1o. Concurso Literário Internacional da Alacib, categoria Poesia Adulto, com o poema “cheguei à ilha“.

O evento, com presença de cerca de 120 pessoas, impressionou-me por um fato em especial: a presença de jovens e crianças envolvidas com produção literária. As poesias e as crônicas vencedoras foram lidas pelo pessoal da Academia Marianense Infanto-juvenil de Letras.

Lauro, eu e Lara, irmãos, que leram meu poema
Lauro, eu e Lara, irmãos, que leram meu poema

Recebi meu prêmio (que inclui uma placa, um certificado, uma medalha e um  pacotão de livros!) das mãos do Ricardo Cavalcanti, presidente do Centro de Estudos Literários Creusa Cavalcanti.

Eu, Ricardo Cavalcanti, Jair da Silva Araújo (2º colocado), Carlos Vinícius Veneziani dos Santos (6º colocado) e Andreia Donadon Leal
Eu, Ricardo Cavalcanti, Jair da Silva Araújo (2º colocado), Carlos Vinícius Veneziani dos Santos (6º colocado) e Andreia Donadon Leal

O evento foi no auditório do Instituto de Ciências Humanas e Sociais da UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto).

Este prédio fica em frente ao auditório. É o Museu da Música, antiga Casa dos Bispos
Este prédio fica em frente ao auditório. É o Museu da Música, antiga Casa dos Bispos

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