gritos

rabisco minha vida
em linhas sem fim
sem nexo
meus sonhos e caminhos
em versos soltos
covardes
as palavras são como
selvagens gritos
perdidos
ricocheteando na
paisagem rude
que foge
quisera controlar suas
quimeras loucas
– não posso
são maiores que eu mesmo
e vazam todas
dos medos
e se contorcem febris
instáveis e belos
poemas
mas nascem já confusos
instigantes véus
planando
partem destemidos e
se esquecem que
são eles eu

(scs, 21410)

talvez

ele escrevia afoitamente no caderno sem
linhas com pressa suando rouco palavras
desconexas ideias loucas como se
perseguido por elas sem pontuação sem
pensar com pressa de dizer o que
pensava nem pensava só escorriam de sua
mão tudo o que queria falar nas
frases jogadas ali espasmos suspiros ecos
roubados do pouco tempo que lhe
restava e ainda havia muito a sangrar em
letras corridas mal escritas suor mancha
ndo a página gotas na testa sobre os olhos lúcidos
a boca seca balbuciando o que a tinta produz
ia mostrando o coração o ânimo o desalento ninguém
gosto de café na boca a noite mal dormida o cansaço
não o fogo a paixão a ventura de abrir uma
janela no papel de ver do outro lado ele mesmo
o outro não ele o avesso da alma a pia
água fria acordar pois já é outro dia e ainda
há muito a gravar fundo nas linhas que não existem
existência sem fim solene saudade angustiada convívio
ácido da mente com as frases entrecortadas
de lâminas de barbear sangue fuligem remorsos
matinês e madrugadas antes outras não mais
vivazes capazes de responder explodir
implorando serem ditas malditas esquecidas como querem ser
uma ânsia quase faz parar tontura a mão treme rasga
o papel cai a caneta choro retomar com sofreguidão é sim preciso
o destino o fim não não não antes do fim até
o fim as palavras dádiva que é respirar peito arfante
palavras arrancadas do músculo da alma com pulso
tímido vibrantes outra e mais alguma onde está
a última a derradeira o sentido final a
chave o cume o eu ali para conseguir
o ponto final dizer tudo como não sabe mais
não sei mais desvaneceu-se como se nunca houvesse
sido encravada na rocha fóssil de amor abandonado rejeitado
parte do monte perene inascido irredutível de tão orgulhoso
então deixe de ser não vem não pode ser
parida a música já não toca desalmada
vozes rasgo profundo e o navio a ilha vagar apenas o súbito ressurgir
na garganta a força de novas palavras nuas indistintas nódoas inexatas
uma gaivota estremece o teto o pingente não um lustre
distante um resto de raio de luz um anelo então a tão doce voz
no estômago a certeza do vermelho o azul na tinta já pálida
o risco de morte a vida desvendada um morro de ventos
uiva o lobo reclama para a lua a noite que não
termina a viagem na distante estação do trem
sem bagagem sem origem só papéis sem linhas e tantas palavras no chão
folhas que as árvores não querem mais de
tamanha vergonha e sem cor desperdiçadas no chão úmido
de frase orvalhadas e teu cabelo ah teu cabelo
afago rude arranhão na pele na folha na poesia
íntima roubada mas ainda insiste a melodia distante
incômoda presença que consola então é novo dia já
não o mesmo ontem somente e lá ficaram as frases
ainda elas e de novo elas e à luz de velas
parecem já outras mas não há que se queimarem amanhã
e hoje mas onde onde o sorriso afogado na dor das palavras
soterradas de desencanto que ah tanto que nem dizem murmúrio eu te amo
o amor de distante voltou erupção insana ah me abraça como se eu não existisse
e precisamos escrever o fim que se perdeu
ele geme com a dor de não poder minha mão e a tua há de obedecer
as veias pulsam as palavras pulsam o suor o grande borrão no
papel faz uma ave plumas infindas neve ao redor nas árvores nos velhos
um sol e nuvens sopradas pelo hálito ácido a tormenta que chega
repulsa no âmago pois vêm outras não estas as definitivas
sim o que dizer no ápice no término como testamento
lembrança imorredoura prévia a de todas maior cicatriz
então o pulso se afrouxa a carne já se desfaz envolve
o respirar deixante o corpo a caneta tombando o traço trêmulo
preciso do sopro que termina o fim o fim
a última palavra
tomba antes a palavra eternamente gestada
talvez sou talvez amor talvez talvez nunca

(scs, 2213)

(imagem)