memórias a serem vividas

1.
sou
da
vida
umas
poucas
memórias

2.
lembranças
sem
início
de
mim
mesmo

3.
relembro
sem
sorrir
que
prossigo
ainda

4.
voltam
cedo
memórias
que
não
serão

5.
em
essência
os
fatos
nunca
passaram

6.
permanecem
como
rochas
acordadas
do
tempo

7.
imutáveis
sussurros
que
foram
vozes
rasgadas

8.
acordam
lembradas
dos
silêncios
entre
nós

9.
lembranças
despertadas
repetem
dores
cansadas
sonolentas

10.
um
amor
inesquecível
nunca
mais
existiu

11.
em
cada
sonho
um
novo
ontem

12.
registro
as
lembranças
– já
não
serão

13.
conflito:
fui
seria
passado
esperança –
trégua

14.
esquecidas
paisagens
por
ver
outras-
mesmas

15.
alegrias
revividas
dispersas
em
memórias
passageiras

16.
preciso
lembrar
de
voltar
a
ser

17.
eram
então
poucas
as
realidades
nascidas

18.
e
voltaram
sempre
novas
desde
amanhã

19.
em
seus
aromas
recados
do
futuro

20.
abraços
vastos
dados
ao
final:
começo

(sca, 271114, enquanto espero pelo cirurgião)

as roupas e as memórias

Ele – o transitório – só se diga, por esse enquanto.
(João Guimarães Rosa)

em todos os armários espreitam
despedidas recentes em velhos álbuns
de cegas fotografias mentirosas

os vestidos acompanhavam o passado
venerando o assombro entre os olhos
– as mesmas pálpebras adormecidas de amor

anoitecida a memória: um terno cinza-mágoa
então, flores murchas, pele desbotada
marcas tão antigas na neve e no alpendre

galantes sapatos já não caminham, seguem
– almejaram o fim, a colheita, a fuga –
covardes no silêncio da esperança morta

todas as rugas na camisa puída
sem perfume ou marcas de sangue no bolso
insistem em ser nada e ódio solene

lenço jogado a um canto sem sono
devolve as lágrimas e o anel
arrependido que se findou

a gravata daquela noite inseparável
amordaça uns tímidos desatinos
com cheiro de mofo precoce

assim, todas as lembranças descartadas aguardam
em trajes de gala
o dia de acontecerem

(scs, 3414)

sem título

mentirosas memórias
me visitam
alarmadas
folhas enganadas
pelo vento

uma pintura borrada
com tintas inconstantes
do passado que nunca esteve lá
e a melodia muda de ecos
entoa a canção que nunca cantei
do amor que nunca deixei
do rumo que sempre temi

mas são apenas névoa densa
das memórias inventadas
pelas memórias que não tenho

(scs, 8813)