outroras

lembro?
a infância não-vivida na praia deserta
pegadas trêmulas no asfalto quente
eu nem mesmo sabendo que existia (estou certa?)
e a vida passava, passava indiferente

revivo?
o primeiro sorriso de adeus à tardinha
numa rua fria de casas displicentes
éramos só eu e minha ausência mansinha
conformando-se ao silêncio do nunca-mais insolente

desperto?
no meio da manhã cravejada de lágrimas tardias
e poeira suspensa no ar adocidado
do aroma das lembranças mais ternas e sombrias
daquela distante infância não-vivida (terei tentado?)

e tão feliz

(scs, 18115,13918)

Colégio Cruzeiro do Sul

foto03_colegio_francisco

corredores,
sino,
professores,
menino,
aluno
por vezes taciturno,
amores,
imenso prédio,
de corredores estreitos,
segredos,
esqueleto,
andares,
andava eu sonhando,
brincando,
buscando saber o que era.

paixões,
cadernos provas laboratório recreio
amizades eternas, tão finitas
e tanto tempo naquelas salas
e em tantas salas tantos
que hoje por aí seguem
e não são mais, só ex-colegas
(sem falar dos que (se) foram)

e o prédio é só lembrança
do tempo aquele
todo ele.

sino
na há mais o menino

(poa, 301012)

sem título

a rua ainda mantinha a beleza
de árvores e flores,
de velhinhas e bengalas,
do bom-dia ao carteiro.

a rua já não tinha a beleza
de crianças correndo,
de bola e bonecas na calçada,
de banho de mangueira no jardim,
de velhinhas sem medo,
de chá das cinco com bolinho de chuva.

a rua perdeu a vida,
a rua se tornou só casas,
uma ao lado da outra,
pessoas apressadas,
velhinhas assustadas,
solitárias,
crianças sem infância.

(scs, 30412)