Dia da Poesia (Fabrício Cunha)

Excelente texto! Recomendado por demais.

____

Dia da Poesia

Tudo o que é importante, ganha um dia.
A poesia tem o seu.
Eu escrevo poesias.
Menos do que deveria e pior do que gostaria, mas escrevo.

Tenho alguns poucos, pouquíssimos lampejos de “inspiração” ou insgihts naturais.

Eu escrevo sobre o que vejo, sobre o que ouço, sobre o que vivo.
Um empirismo “poético”.

E não escrevo de qualquer jeito, em qualquer tempo ou sobre qualquer coisa.
Escrever dá trabalho.

Levo um dia todo pra escrever um verso. E, ao relê-lo, detesto.

Levo uma manhã toda esperando nascer uma palavra e ela, muitas vezes dengosa, não nasce. As palavras são assim. E não há fórceps que dê conta.

Levo um mês inteiro com um tema escrito ali na caixa de notas do telefone, esperando que o resto do que deve ser escrito (tudo), ganhe densidade, tome sentido, justifique importância.

Fico às voltas com sinônimos, antônimos, com rimas, com versos, com métricas.

Escrevo, apago. Escrevo, apago. Apago, apago, apago. Desisto, insisto. Escrevo, apago. Publico. Arrependo-me. Publico, gosto. Enfim…

Escrever é uma vocação ingratíssima (e não estou querendo dizer que a tenho).

Tenho amigos escritores e, ao contrário do que você pensa, trabalham muito e duro.

Às vezes as palavras são amantes, noutras, algozes. Quem escreve por gosto, só “fica” com elas. Mas quem o faz por vocação e ofício, com elas se casa. E casamento você sabe como é.

A poesia é um dom, uma vocação, um ofício para poucos, um privilégio. Mas nunca somente fruto do romantismo, da vontade ou mesmo da inspiração.

Poertizar é fruto, sobretudo, do amor e do labor. Do amor por ter sido escolhido “arauto da pena”, como dizia Cassiano Ricardo. Sim, aquilo que de melhor somos, não escolhemos ser. Somos escolhidos, predestinados. Do labor porque não se manuseia uma vocação sagrada com mãos inábeis, de qualquer jeito.

Escrever não é juntar palavras, rimar sufixos, coordenar orações. Escrever é ofício de artesão. É talhar a alma com letras. É riscar o papel de sangue. É gotejar o suor na folha até que nasça, da inspiração e do labor, da beleza e do rigor, da leveza e do respeito à língua, a crônica, o conto, a poesia. Mas com estética mínima.

Eu tento. Juro.

Dá um trabalho desgraçado.

Mas é como gerar e parir um(a) filho(a). E não se trata os filhos de qualquer jeito.

Hoje é 14 de março, o dia que a poesia ganhou para si, depois de tomar de assalto todos os nossos dias.

(fonte)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *