rompante

você é tantos sons confusos ao redor de tudo
de manhã ainda ontem sem mesmo acordar
e vem outro sem trégua torrente furiosa
como se não me fosse possível respirar ou ser
querendo minha atenção inquieta nesse mundo tanto
eu sem estar aqui quase uma tentativa vã
sem desistência ou respeito não-ouvido
destrói o que eu pensava pensar mesmo querer
os sons sim os sons confusos confusos sons confusos são
e tudo você é você é isso que minha mente
atormenta um precipício esse mortal de enganosa paisagem bela ao redor
se convencido há o salto e é isso o que não desejo de covarde ou não
mas sei que almejo ainda hoje aquela manhã que jamais tenho
não preciso temer o grande acima de mim um mistério de dores
mergulhadas na superfície de murmúrios indistintos em passados não-sepultados
e os sons confusos gritam roucos pelas planícies que se confundem no horizonte
uns riscos no chão de dramas recentes por dores arcaicas
se misturam ao sangue e à poeira nos pés
trilhando um caminho abandonado outra vida iniciada em rompante
no momento único do beijo o aceno raios e chuva tão pesada
tormentos não dores antigas e você como eu
instantes perdidos na busca tola busca de aléns e calmarias
no entanto a flor não desabrocha rouba o brilho ao sol
guardo os olhos nas pálpebras de desolação
de rever os sons confusos o vento é forte e morno
enquanto seca-se a folha o desalento é tanto que nem
e nunca mais isso mesmo fluindo do âmago
em pleno amargor de tudo o que teria sido
teu recomeço em silêncio o completo momento
de antes você e ainda eu e nada mais

(scs, 18315)

declaração

tua ternura crassa
me perfuma

teu sussurro frondoso
me intensifica

teu aceno ínfimo
me resolve

teu olhar boreal
me vasculha

teu conselho inaudito
me assegura

teus passos epidérmicos
nos assumem

teu conflito incolor
me espelha

teu relevo inverso
me desconcerta

teu convite enfermo
me imagina

teu sorriso caudaloso
me acalenta

teu pensamento translúcido
me germina

teu segredo ensurdecedor
me desmorona

tua inocência rígida
me transtorna

teu abraço oceânico
me embala

tua alvura ambígua
me comove

tua sombra noturna
me abriga

tua fadiga majestosa
me seduz

tua humildade imponente
me renasce

teu aroma transcrito
me ignora

tua solidão inacabada
me completa

tua visão absorta
me convulsiona

teus suspiros alarmados
me fazem companhia

soneto do sono perdido

a última alegria que guardo
é da triste despedida
e, depois, a viagem incerta
tão imensa

na escura noite de solidão
a lua prateada me era por única companhia
na multidão que também ia
sem saber

nem me deixei chorar
de risos tantos que nunca tive
na plena felicidade que agora
era nunca mais

à noite, acordado no quarto frio,
abraço a lembrança em torno do travesseiro
e não sei mais se vivo ou desisto
de sonhar

(scs, 141216)