De onde sentado, no ônibus, observo

ônibus

a paisagem no fim da tarde
é de rostos cansados
inóspitos
imensas solidões e
eternas amizades
lista de por-fazer
angustiosa volta ao lar
de ônibus e seus estranhos
ruídos de motores e suspiros
sono encostado no vidro
a longa despedida para tão-breve
placas luzes grafites cores muros gatos náusea
vinda de desabafos à luz miúda
de pequenas imoralidades
o outro ser fingido real na tela do celular
um estranho lá fora – e outro aqui dentro
com a pressa de cerrar portas
sombras frias esgueirando-se nas esquinas
em pés descalços preguiçosos
o copo de esquecer-se

e a criança quer continuar brincando

(foto de Corinne Béguin)

sem título

teu silêncio
assim assustado
me cansa

de dizer coisas sem nexo
ouvidas sem querer
em ventos e sombras

porém, é mesmo preciso
que gritos passageiros
me despertem anseios

e voltem a ser mentiras
abandonadas sem ternura
e teu silêncio
assustado
permaneça belo e cansado

sem mim

desperdiço-me no vento
sem rumo no meio da noite
espantado com o silêncio que me fiz
entre pedras e sobressaltos
mesquinhando o abrigo e a sensatez

envolve-me uma dormência de festa
mexendo em minhas mãos um carinho impróprio
mas não me deixa suspirar, voz arrancada,
em busca dos passos há tanto esquecidos
no caminho que passa por mim

a formidável aurora convida a esquecer
uma tola felicidade de tantas pétalas
e me desperdiço de novo na chuva morna
cansado de não saber
e ainda assim esperar

(scs, 18614)